quarta-feira, 26 de setembro de 2012

IRA

Depois da última noite de festa
 Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
As coisas aconteciam com alguma explicação
Com alguma explicação

Depois da última noite de chuva
Chorando e esperando amanhecer, amanhecer
Às vezes peço a ele que vá embora
Que vá embora...oh...

Camila, Camila

Eu que tenho medo até de suas mãos
Mas o ódio cega e você não percebe
Mas o ódio cega(...)

A lembrança do silêncio daquelas tardes
Daquelas tardes
A vergonha do espelho naquelas marcas
Naquelas marcas
Havia algo de insano naqueles olhos,
Olhos insanos
Os olhos que passavam o dia a me vigiar, a me vigiar...oh...

Camila- Nenhum de Nós.





Acordou com o barulho. Era mais uma madrugada chuvosa e fria em São Paulo. Camila olhava fixamente as gotas que caiam sobre a janela, unindo-se para depois dispersar rapidamente.
Ela tentava se distrair para não pensar, para não ouvir os gritos em sua mente: 'burra, burra como pude ser tão burra? Isso sim que eu sou, uma perfeita idiota'. Camila tentava não sentir pena de si mesma e por isso se punia mentalmente.

No rádio, baixinho, Roxette, com Spending my Time. Nada novo. Ela conhecia muito bem aquela música, e tudo o que ela queria dizer. Não era a primeira vez que estragava tudo.

Depois de tudo o que passou queria dormir, mas não conseguia, sua cabeça doía de ressaca física e moral: 'burra, burra, burra.'

Resolveu fazer um chá de camomila para se acalmar, e em um segundo de distração lembrou de Léo, e de como ele brincava com seu nome:  'Camila, como pode ter um nome que inspira calma e ser tão brava?' Riu por um instante, para depois sentir ainda mais raiva de si... pegou seu chá e sentou-se no sofá da sala.

Não gostava de dias chuvosos, ficava depressiva. Ainda mais depois de tudo que acabara de acontecer. Não queria lembrar, mas vinham à sua cabeça pequenos flashs do dia anterior. Momentos que daria tudo para esquecer.
***
Camila aguardava a hora de ir embora da festa. Como uma gata ia roçando seu rosto lenta e sinuosamente no rosto de Léo. 'Só mais essa, a saideira, eu prometo', disse ele. Mas ela sabia que 'a saideira' seriam pelo menos mais 2h de amigos bêbados e discussões inflamadas, que não levavam a lugar algum. Queria ir para casa de Léo, lugar para onde foi passar uma noite, apenas. E ficou uma, depois mais outra, e ia, quando, e se ele chamasse. Deitou o queixo sobre o pescoço  dele, como fazem as namoradas, ele deixou. E lá ela esperou. Beberam mais algumas doses. Ainda sim Léo dirigiu até sua casa, que ficava a duas quadras do bar. Ela sentiu-se estranhamente aceita. Já havia estado lá muitas vezes, mas agora se sentia 'oficial', afinal acabara de ser apresentada ao s amigos dele.

Em casa, Léo se esparramou na cama. No chuveiro, enquanto se despia, Camila descobriu uma presilha de cabelo que não era sua, tinha certeza. A única coisa que não tinha certeza é de quem seria, e quantas ele levava para sua casa. Por muito tempo fingia não saber de nada. Nem das outras, nem da presilha, ou do café descafeinado no armário, ou um creme para pentear cabelos tingidos no guarda-roupa...

Camila era mais uma. Suspeitava desde sempre. Porém, no começo isso não a incomodava tanto. Como cadelas que deixam seu rastro pelos postes para demarcar o território, as outras deixavam pertences 'espalhados' pela casa.

Resolveu não reivindicar, não requerer explicações. Mas não conseguia parar de pensar qual seria a sua posição... Mas ela sabia, aquilo não era um jogo, e sua colocação, provavelmente, não lhe renderia nenhum troféu. 

Abriu o chuveiro, e pensativa regulou a temperatura da água. Enquanto deixava-a escorrer pelos seus cabelos loiros, notou que havia depositado sobre o ralo alguns poucos fios, longos e vermelhos. E chorou. Agora não era mais hipótese. Era uma prova comprobatória, incontestável. Soluçava, sem que se pudesse fazer notar, pois a água caia sobre seu corpo camuflando suas lágrimas, e também sobre o chão, abafando qualquer som.

Léo entrou no chuveiro, e sem tempo para disfarçar, Camila se deixou cair sobre seus braços de consolo. Mas, de ímpeto, tomada pela ira, ela é levada a proferir palavrões, a chutar e bater em Léo. Ele agora alvo de toda a sua raiva, tentou se defender como pôde, afinal não fazia a menor ideia do que acontecia. Camila, já cansada, exausta, mesmo que tenha dado muito trabalho para ser contida, não podia com a força de um homem. E ainda chorando, foi novamente abraçada por ele, enquanto ouvia um bateria de perguntas.

Muda, saiu do banho esbaforida, se enxugou desleixadamente com a primeira toalha que encontrou. Com cabelos ainda molhados, vestiu-se e ensopando toda a sua roupa. Teve vontade de sair dali o mais depressa possível. Ele, afinal, a vira chorando, e isso nunca poderia ter acontecido, ele nunca deveria conhecer suas fraquezas. Nunca! Foi embora como um cometa que chega e devasta tudo ao redor. Mas não sem antes dizer: 'Olha, vou sair da sua vida, e dessa vez prometo nunca mais voltar.' Quem ouvisse essa frase dita aos berros pensaria nisso como uma ameaça. 'É só mais um drama', pensou Léo. E disse sem dar muita importância: 'Se é isso que você quer, vai Camila'.

Ela saiu e lhe bateu a porta na cara, como se um pedaço de madeira tivesse culpa do não-amor de Léo por ela. Pisava agora com toda sua força pela calçada, como se ela pudesse lhe sentir. Sentir a raiva que ela sentia dele, da sua indiferença diante do que houve. E quem sabe a calçada não tivesse alguma reação? 'Pelo menos alguma coisa aqui corresponderia com algum tipo de sentimento por mim, mesmo que raiva', falou sozinha.

Tomou um táxi na esquina. O taxista teve vontade de lhe perguntar alguma coisa, mas se limitou a saber do destino, afinal ele era um homem experiente, e como tal sabia da importância de saber respeitar os silêncios de uma mulher.

Em seu quarto, chorou durante toda a madrugada. Embalada por seu choro, em cima do travesseiro úmido, dormiu todo o restante do dia. 

***
Agora o celular lhe olhava fixamente, e  insistentemente teimava em não tocar. 'Não se importou em saber como e se eu cheguei bem'. Preferia raiva à indiferença. 'Mas depois dessa, ele não ligaria'. Parou de intimidar o telefone. Voltou a fixar seu olhar nas gotas de chuva. Uma a uma, caindo. Pensou em tomar um banho de chuva, sentia vontade de se dissolver nela. De sumir com ela. De que ela lhe limpasse por dentro. Mas estava muito frio e muito tarde. Terminou seu chá. Ela realmente estragou tudo daquela vez. E seria a última... ela tinha certeza.

5 comentários:

  1. Brilhante história querida Yna... Sabendo que vc se inspirou da maneira que se inspirou, fico mais orgulhosa! Perfeita sincronia...
    Bjs da sua fã!

    ResponderExcluir
  2. Adorei o texto, "Camila" representa muito bem a mim e, sem medo de errar, as muitas mulheres que por aqui vão passar e ler. A ambientalização está perfeitamente detalhada, pude visualizar através do olhar da menina as mudanças de ambiente tranquilamente, isso mostra o quanto você conseguiu me transportar para dentro do texto, da história. E isso é ótimo, o objetivo do autor é esse não é verdade, fazer com que seus leitores vão além da imaginação, sintam os sentimentos de cada personagem. Eu nem sou crítica de nada, o fato é que gostei muito e foi dessa forma que consegui expressar como me senti lendo. Obrigada por escrever minha linda.

    Beijo da Jujuba.

    ResponderExcluir
  3. Que coisa mais lynda, yna ♥
    Senti esse texto em vez de ler, porque todas nós já fomos "camilas" um dia... Se não, ainda seremos.

    O blog está maravilhoso, saudades daqui (:

    Beijos
    Lynda Mynha

    ResponderExcluir
  4. O texto cheio de erros e vocês me elogiando <3
    Vem cá que é amor, seus lindos!!!

    ResponderExcluir

Devaneadores